terça-feira, abril 13, 2004

Para reflectir

..."Supõe que encontras um louco que te diz que é um peixe
e que somos todos peixes. Vais-te discutir com ele? Vais-te
despir à frente dele para lhe mostrares que não tens barbatanas?
vais-lhe dizer de caras o que pensas?

O irmão calava-se e Edouard continuou:- Se só lhe dissesses a verdade,
aquilo que pensas realmente dele, isso queria dizer que aceitas uma discussão
com um louco e que tu próprio és louco.

É exactamente a mesma coisa com o mundo que nos rodeia. Se te
obstinares em dizer-lhe de caras a verdade, isso quereria dizer
que o levavas a sério.

E levar a sério algo de tão pouco sério é perdermos nós próprios
toda a nossa seriedade. Eu devo mentir para não levar loucos a
sério e não me tornar eu próprio louco."...


Milan Kundera
O livro dos amores risíveis

segunda-feira, março 29, 2004

Em vão

"Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem de onde vem.

Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
A flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!

E eu quero bem a tudo, a toda a gente...
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!

E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flores a sombra dos meus passos!"

Florbela Espanca